Os ciganos terão chegado a Portugal por volta do século XV, “estão há mais tempo em Portugal do que os portugueses no Brasil”. (Leonor Gusmão in o Jornal Público, 7 de Dezembro de 2012).
Apesar de estarem há mais de cinco séculos em Portugal, as Comunidades Ciganas viveram sempre à parte, assim provam os decretos que regeram as condições de vida desta comunidade.
– 3 de Março de 1526, D. João III decreta “que não entrem ciganos no reino e saiam os que nele estiverem”.
– 1538, D. João III, “O Piedoso”, decreta novas leis contra os ciganos: “(…) que nenhum cigano entre em meus reinos e senhorios (…) e entrando, sejam presos e publicamente açoutados com baraço e pregão”.
– 17 de Agosto de 1557, D. Catarina, esposa de D. João III, reforça “a ordem de expulsão e acrescenta a pena de condenação às galés – trabalhos forçados – para os que não obedecerem”.
– 11 de Abril de 1579, D. Henrique concede novas licenças aos que “vivem bem e que trabalham e não são prejudiciais”. Já aos ciganos nómadas é exigido que “saiam do Reino dentro de trinta dias”, sob pena de ser “logo preso e açoitado publicamente no lugar onde for achado e degredado para sempre para as galés”.
– 28 de Agosto de 1592, D. Filipe determina que “se andassem em ranchos ou quadrilhas”, os ciganos deviam ser executados “com pena de morte, sem apelação nem agravo”.
– 1647, o rei D. João IV “proíbe falar gerigonça», usar trajes de ciganos e ler a sina”.
– 1650, D. João IV determina a pena de condenação às galés para os homens e degredo para Cabo Verde e Angola para as mulheres que não cumprissem a lei.
– 1686, D. Pedro II decreta que os ciganos “vindos de Castela, sejam exterminados”.
– 1718, D. João V manda prender e enviar para as colónias os ciganos que estivessem no reino.
– 1756, D. José obriga a que todos os ciganos sirvam nas obras públicas de reconstrução de Lisboa.
– 1822, no reinado de D. João VI, é concedida a cidadania a todos os ciganos nascidos em Portugal.
– 1920, já na 1ª República, consagra-se “a igualdade, do ponto de vista jurídico”, mas com reservas para grupos considerados de risco, nos quais se inseriam os ciganos.
– 1940, é criada a Fundação Oliveira Salazar, com o objetivo de tirar os filhos de ambos os sexos a famílias ciganas e reeducá-los num internato ‘cristão’ para que, chegados a adultos, reeducassem os outros ciganos. A experiência falhou.
– 1985, É revogada a lei de 1920, por ser considerada inconstitucional, mas determinada uma especial vigilância sobre os «nómadas» (artº 81 da XVII secção). A lei prevê que, havendo suspeitas ou queixas destes grupos se dedicarem a atividades ilícitas, a possibilidade de serem efetuadas “buscas e revistas nas caravanas”. Sempre que os nómadas se desloquem para outro lugar, quem conheça o seu destino deve dar “conhecimento ao comandante do posto da área para onde se dirigem”.
– 10 de Maio de 1993, a Câmara Municipal de Ponte de Lima ordena que os ciganos abandonassem o concelho no prazo de oito dias e que de futuro permanecessem apenas por 48 horas. A medida foi impedida, por reação do Procurador da República e do Provedor da Justiça.
– Fevereiro de 2002, o Tribunal Judicial de Paredes condena Armando Costa, ex-presidente social-democrata da Junta de Freguesia de Gandra, pelas palavras “dou mil contos a quem me trouxer um cigano sério, a maioria dos ciganos rouba”. O ex-autarca foi o primeiro português a ser condenado por discriminação racial.
– 27 de Setembro de 2012, a comunidade cigana de Cabanelas é detida e torturada pela GNR, na sequência de uma rusga feita ao acampamento onde vivem. As fontes ouvidas pelo Público relatam que os homens foram “molhados com mangueiras e depois torturados com descargas de tasers (armas de choques elétricos)”. Um dos detidos afirma ter visto enfiar “um ferro pela garganta abaixo” a um colega.
– Setembro de 2013, a direção do BE retirou a confiança política à candidatura à Câmara de Elvas, encabeçada por Francisco Castelo. Em causa, denunciou o SOS Racismo, estavam “textos racistas” contra a comunidade cigana no “blogue da campanha”.
– Julho de 2014, o presidente eleito pela CDU para a Câmara da Vidigueira, Manuel Narra, mandou demolir o Parque Estágio, um armazém onde os ciganos tinham sido colocados a viver pela autarquia. Na sequência de uma rixa entre duas famílias, que envolveu tiros, os ciganos abandonaram o local. Quando lá chegaram, já só havia blocos de betão sobre os pertences das famílias. “O presidente estava lá, a gente realizou o serviço na presença deles todos”, contou ao Público um dos trabalhadores.
– Setembro de 2014, a escola EB1 dos Templários, em Tomar, cria uma turma só de alunos ciganos. Segundo o Público, a turma tinha “14 alunos de etnia cigana, com idades entre os 7 e os 14 anos e com historial de chumbos e absentismo”.
– 1 de Março de 2017, Os ciganos de Santo Aleixo da Restauração, em Moura, acordam com as casas grafitadas. Nas paredes, lê-se “morte aos ciganos”, “a próxima vez é a tiro” e outras frases. De acordo com o Público, em Setembro, a comunidade cigana já tinha sido vítima de “ataques incendiários, que não pouparam casas, viaturas automóveis e até o edifício da igreja”.
– 17 de Julho de 2017, o cabeça de lista da coligação PSD/CDS/PPM à Câmara de Loures, André Ventura, mediatiza-se, através de uma entrevista, onde diz que “os ciganos vivem quase exclusivamente dos subsídios do Estado”. O CDS retira-lhe o apoio político e a candidatura do BE apresenta uma queixa crime por “declarações racistas e xenófobas contra a comunidade cigana”.
– 28 de Junho de 2019, em Várzeas, uma localidade a 15 km do centro de Leiria, a loja “Minipreço” coloca um sapo de barro à entrada da loja. Os ciganos acreditam que os sapos são sinal de azar.
– Março de 2020, com a covid-19 a chegar a Portugal, cerca de 300 pessoas da comunidade cigana de Beja temia o contágio. As condições de habitação eram insalubres, numa área com cerca de meio hectare, sem acesso a água ou a meios de higiene básicos.
– Maio de 2020, o deputado único do CH propõe um “plano de confinamento para a comunidade cigana”. A medida é contestada pela sua inconstitucionalidade e violação dos Direitos Humanos.
– 30 de Outubro de 2020, “Morte aos ciganos. Portugueses digam sim ao racismo” foram algumas das frases escritas em paredes de escolas secundárias e universidades em Lisboa.
– 18 de Novembro de 2020, o presidente do Chega é multado em cerca de 400€ por “discriminação, assédio em razão da origem étnica”. A multa da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) foi motivada por uma publicação nas redes sociais em que acusava a “90% da comunidade cigana” de viver de subsídios.
– Junho de 2021, o deputado único do Chega é condenado pela CICDR ao pagamento de uma coina por discriminação em função da origem étnica. Em causa, estava uma publicação no Facebook de 2017 em que acusava indivíduos de etnia cigana de terem “espancado” uma enfermeira num hospital de Beja.
Porque não referir a auto discriminação que praticam quando por exemplo proíbem as suas filhas a partir dos 13 ou 14 anos de continuarem a frequentar as escolas ??
Muito obrigada por se ter interessado pela minha reflexão sobre a etnia cigana.
A sua questão é bastante pertinente e de difícil resposta porque o relacionamento entre várias culturas é difícil.
Para que a sociedade inclua o diferente também é preciso que este deseje adquirir e cumprir os deveres que estão inerentes aos seus direitos inalienáveis de ser Humano.
Faz parte dos Direitos Humanos e da Constituição Portuguesa o Direito à Escolaridade. Sabemos que só depois de 1974 é que se começou a debater o problema da não matrícula, do absentismo e do abandono escolar.
Os ciganos são cidadãos portugueses e, como tal, têm que cumprir com as leis em vigor.
Os ciganos portugueses, tal como outros de vários países da Europa, sempre fizeram uma grande resistência para aderir à cultura maioritária.
São um grupo muito etnocêntrico e que não entende a existência do Outro, também com direitos e deveres, neste caso, o da escolaridade obrigatória.
Em relação à proibição que os pais impõem sobre as filhas para não continuarem na escola, a questão é de difícil resolução, mas acredito que seja possível.
É já muito superior o número de ciganos portugueses que frequentam a escola, em 2023, do que aqueles que tínhamos durante a Ditadura.
Mas não chega.
Há já muitas mulheres que cumprem a escolaridade obrigatória devido à imposição da Segurança Social que exige o cumprimento do dever dos pais manterem os filhos e as filhas nas escolas até aos 18 anos. Se isto não acontecer é-lhes retirado o subsídio do rendimento mínimo. A Escola deve comunicar todos os meses as ausências de essas meninas à Assistente Social e saber o porquê das faltas à Escola.
Mas não tem chegado.
Como sabemos é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.
Onde está essa aldeia?
Há muitas associações de portugueses ciganos que tentam educar os adultos para que percebam o que é a Cidadania, as leis que todos temos que cumprir sem confrontos.
Foi criado nas escolas a figura do mediador cultural, mas não chega.
Os pais podem proibir mas o Estado, o Ministério da Educação, as Escolas, a Comunidade onde vivem têm que actuar com a sanção social, e o Estado com o cumprimento das leis vigentes.
Penso que a questão tem solução, tudo depende da transmissão de valores necessários à sociedade e ao país onde se vive.
A cultura familiar cigana relativamente à Educação é muito diferente da nossa cultura, mas não se pode deixar os cidadãos portugueses “em roda livre”. Hoje os meninos e meninas ciganas já frequentam o pré escolar. Quem sabe se daqui a alguns anos, esta geração já não eduque os filhos de acordo com as leis portuguesas.
Quem sabe.
Já são muitas as Associações Ciganas que têm feito um bom trabalho junto da sua etnia em relação à frequência escolar, à idade do casamento….algumas associações têm mulheres a organizar as suas comunidades sobre o papel das mulheres em casa e na sociedade.
Mas não tem chegado.
Há algo que eu acredito, não se pode tentar resolver esta questão cultural através do confronto. Idade para casar, idade para andar na escola, saber ser português cigano e português não cigano.
Se calhar não ficou satisfeito com esta minha resposta, mas é um tema que podemos ir refletindo…porque tem muitos caminhos.
Porque não referir a auto discriminação que praticam quando por exemplo proíbem as suas filhas a partir dos 13 ou 14 anos de continuarem a frequentar as escolas ??
Luísa Lobão Moniz respondeu:
Muito obrigada por se ter interessado pela minha reflexão sobre a etnia cigana.
A sua questão é bastante pertinente e de difícil resposta porque o relacionamento entre várias culturas é difícil.
Para que a sociedade inclua o diferente também é preciso que este deseje adquirir e cumprir os deveres que estão inerentes aos seus direitos inalienáveis de ser Humano.
Faz parte dos Direitos Humanos e da Constituição Portuguesa o Direito à Escolaridade. Sabemos que só depois de 1974 é que se começou a debater o problema da não matrícula, do absentismo e do abandono escolar.
Os ciganos são cidadãos portugueses e, como tal, têm que cumprir com as leis em vigor.
Os ciganos portugueses, tal como outros de vários países da Europa, sempre fizeram uma grande resistência para aderir à cultura maioritária.
São um grupo muito etnocêntrico e que não entende a existência do Outro, também com direitos e deveres, neste caso, o da escolaridade obrigatória.
Em relação à proibição que os pais impõem sobre as filhas para não continuarem na escola, a questão é de difícil resolução, mas acredito que seja possível.
É já muito superior o número de ciganos portugueses que frequentam a escola, em 2023, do que aqueles que tínhamos durante a Ditadura.
Mas não chega.
Há já muitas mulheres que cumprem a escolaridade obrigatória devido à imposição da Segurança Social que exige o cumprimento do dever dos pais manterem os filhos e as filhas nas escolas até aos 18 anos. Se isto não acontecer é-lhes retirado o subsídio do rendimento mínimo. A Escola deve comunicar todos os meses as ausências de essas meninas à Assistente Social e saber o porquê das faltas à Escola.
Mas não tem chegado.
Como sabemos é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.
Onde está essa aldeia?
Há muitas associações de portugueses ciganos que tentam educar os adultos para que percebam o que é a Cidadania, as leis que todos temos que cumprir sem confrontos.
Foi criado nas escolas a figura do mediador cultural, mas não chega.
Os pais podem proibir mas o Estado, o Ministério da Educação, as Escolas, a Comunidade onde vivem têm que actuar com a sanção social, e o Estado com o cumprimento das leis vigentes.
Penso que a questão tem solução, tudo depende da transmissão de valores necessários à sociedade e ao país onde se vive.
A cultura familiar cigana relativamente à Educação é muito diferente da nossa cultura, mas não se pode deixar os cidadãos portugueses “em roda livre”. Hoje os meninos e meninas ciganas já frequentam o pré escolar. Quem sabe se daqui a alguns anos, esta geração já não eduque os filhos de acordo com as leis portuguesas.
Quem sabe.
Já são muitas as Associações Ciganas que têm feito um bom trabalho junto da sua etnia em relação à frequência escolar, à idade do casamento….algumas associações têm mulheres a organizar as suas comunidades sobre o papel das mulheres em casa e na sociedade.
Mas não tem chegado.
Há algo que eu acredito, não se pode tentar resolver esta questão cultural através do confronto. Idade para casar, idade para andar na escola, saber ser português cigano e português não cigano.
Se calhar não ficou satisfeito com esta minha resposta, mas é um tema que podemos ir refletindo…porque tem muitos caminhos.
Obrigada.
Luísa Lobão Moniz